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segunda-feira, 30 de maio de 2016

UMA ESPLANADA À BEIRA-MAR

Não fazia a mínima ideia de há quanto tempo estava a ouvir o seu interlocutor. Estavam sentados numa esplanada de frente para o mar. Embora parecesse distraído a contemplar a paisagem, escutava-o com atenção ao mesmo tempo que comparava cada uma das suas palavras com o que supostamente ele estaria a pensar. Aqui e ali encontrava discrepâncias ente o pensamento e as palavras proferidas. De tão habituado que estava a detectar essas diferenças, já não o surpreendiam nem mesmo o incomodavam. Além disso, o tema da conversa era o simples relato de um episódio familiar, nada que pudesse alterar o curso do planeta. Mas havia por trás do discurso uma mentira traduzida apenas por uma omissão de somenos importância. Não conseguia evitar irritar-se por não compreender de imediato o motivo destas omissões. Em todas as conversas há sempre alguma coisa a esconder por medo, vergonha ou simplesmente com o fim de consolidar a imagem criada pela própria pessoa. Ele mesmo tinha com frequência destas omissões.
Ao longe, na praia, as ondas continuavam a desfazer-se numa sequência monótona, umas atrás das outras. De repente, apercebeu-se do silêncio. O amigo terminara o seu relato. Geralmente gostava do silêncio, mas este começou a tornar-se um embaraço para ambos. Isso via-se pelo tamborilar dos dedos no tampo metálico da mesa. Pigarreou como quem vai falar sem fazer a mínima ideia do que ia dizer. No horizonte o sol tinha iniciado o seu lento mergulho nas águas do mar tingindo o céu de um vermelho rubro como se a própria cor se diluísse no azul celeste. Finalmente falou:
- Amanhã vai estar bom tempo… pela cor do céu… parece…
Nem sempre o que parece, é.
O boletim meteorológico anunciava chuva fraca para o dia seguinte.
(Jorge Leal, in O homem que lia o pensamento)

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