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quarta-feira, 16 de março de 2016

UMA DOR QUE JÁ NÃO DÓI

Podia ficar ali sentada para sempre, num simples bloco de granito, parte integrante do muro que separa a estrada da praia. Podia se não fosse o apelo dos afazeres familiares, mas agora ali estava naquela modorra vinda do calor morno do sol de inverno que acalentava aquela tristeza. Havia nela essa tristeza de uma dor que já não dói, de uma urgência que se fez tarde, de uma importância que se tornou banal. A cada traição que ela adivinhava, acontecia aquela dor misto de raiva e desilusão. A raiva de não ter provas para o confrontar, a desilusão de encontrar defeitos em quem queria ver perfeito. Há dores que ficam, mas acabam por deixar de doer seja por habituação, insensibilidade ou catarse emocional… e dessas dores é que lhe vinha aquela tristeza.
Porquê ficar triste se já nem a dor da traição a incomoda?! Estranhava ela perdida nos seus pensamentos. É que dá medo quando a dor se ausenta e deixa de doer, quando o que importa deixa de importar…
Nesse preciso momento compreendeu que a razão de tanta tristeza, era afinal a ausência da dor. Através dessa ausência é que lhe veio a certeza de que o que antes foi, agora já não é…
Podia ficar ali sentada a surpreender-se de já não sentir a dor não fora o apelo dos afazeres familiares. Levantou-se, alisou a parte posterior da saia, esboçou um sorriso que mais parecia um esgar e dirigiu-se para casa.

3 comentários:

  1. Que pena não ter concorrido, Jorge! Dolorosamente profundo e belo. Adorei o texto.

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    Respostas
    1. Obrigado Teresa. Não achei que merecia concorrer mas se calhar... merecia.

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