Não
fazia a mínima ideia de há quanto tempo estava a ouvir o seu interlocutor. Estavam
sentados numa esplanada de frente para o mar. Embora parecesse distraído a
contemplar a paisagem, escutava-o com atenção ao mesmo tempo que comparava cada
uma das suas palavras com o que supostamente ele estaria a pensar. Aqui e ali encontrava
discrepâncias ente o pensamento e as palavras proferidas. De tão habituado que estava
a detectar essas diferenças, já não o surpreendiam nem mesmo o incomodavam. Além
disso, o tema da conversa era o simples relato de um episódio familiar, nada que
pudesse alterar o curso do planeta. Mas havia por trás do discurso uma mentira traduzida
apenas por uma omissão de somenos importância. Não conseguia evitar irritar-se
por não compreender de imediato o motivo destas omissões. Em todas as conversas
há sempre alguma coisa a esconder por medo, vergonha ou simplesmente com o fim
de consolidar a imagem criada pela própria pessoa. Ele mesmo tinha com
frequência destas omissões.
Ao
longe, na praia, as ondas continuavam a desfazer-se numa sequência monótona,
umas atrás das outras. De repente, apercebeu-se do silêncio. O amigo terminara
o seu relato. Geralmente gostava do silêncio, mas este começou a tornar-se um
embaraço para ambos. Isso via-se pelo tamborilar dos dedos no tampo metálico da
mesa. Pigarreou como quem vai falar sem fazer a mínima ideia do que ia dizer. No
horizonte o sol tinha iniciado o seu lento mergulho nas águas do mar tingindo o
céu de um vermelho rubro como se a própria cor se diluísse no azul celeste.
Finalmente falou:
- Amanhã
vai estar bom tempo… pela cor do céu… parece…
Nem
sempre o que parece, é.
O
boletim meteorológico anunciava chuva fraca para o dia seguinte.
(Jorge
Leal, in O homem que lia o pensamento)
Sem comentários:
Enviar um comentário