O avô
não fala, não porque seja mudo, mas por opção. Seria mais correto dizer que o
avô geralmente não fala ou então dizer que fala pouco. Habitualmente fica
sentado no seu cadeirão, manta nos joelhos, de olhos postos na televisão. Na
maioria das vezes o avô olha para o ecrã sem nada ver. Embora experimente
algumas limitações ao nível da audição, vai ouvindo excertos das conversas que
se desenrolam à sua volta como que numa outra dimensão. Quem o vê sentado no
cadeirão, fica com a impressão de que está à espera de algo ou de alguém… Na
verdade, numa fase da vida em que já nada ou pouco se espera, só uma coisa o
consegue tirar daquela modorra: a incursão dos netos pela casa dentro. Aí o avô
transfigura-se, parece pouco mais velho do que os próprios netos condescendendo
com todas (ou quase) as suas tropelias. Fora isso, o avô fica entregue às suas
memórias e elas são tantas vindas ao seu encontro sabe-se lá de onde! O avô
preferia que algumas delas ficassem esquecidas no baú das lembranças, mas não,
são precisamente essas as que mais teimam em voltar.
Voltar é quase como andar
para trás quando a vida nos toca para a frente… O avô sabe disso e assim que tais lembranças o assaltam, ele
as faz regressar ao baú do esquecimento.
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