Hoje foi
um mau dia. Sinto-o no cheiro. Sim porque de cheiros percebo eu. Já quando ele
mostra os dentes naquilo que os humanos chamam de sorriso fico sempre
apreensivo. Não sei se é o tal sorriso dos humanos se ele vai morder a dona. Nós,
os cães, mostramos os dentes para ameaçar e se não resulta, podemos mesmo
morder.
Hoje foi um dia mau, sinto-o no cheiro, por isso hoje não há sorrisos e
se o dono mostrar os dentes é seguramente para morder a dona ou as crianças.
Está na
hora do jantar. Como sempre as crianças são as últimas a sentar à mesa. Eles
não sentem o cheiro e não sabem que hoje foi um dia mau. É pena que os humanos
sejam tão limitados no que respeita ao faro! Receio que aquelas risadas acabem
mal. O dono hoje está sem paciência e ainda algum vai ficar de castigo.
Como
sempre sento-me no chão ao lado do dono. Ninguém entendeu até hoje como o
mosaico deste chão é frio e o sacrifício que faço para permanecer ali sentado à
espera que caia um osso ou um naco de carne da refeição dos humanos. Por
hábito, abano a cauda aí uma três vezes, mas hoje ninguém repara nem me dirige
ao menos o olhar. Como todos os cães, compreendo e não guardo ressentimentos,
hoje está a ser um dia mau… para todos. Mesmo assim, sou um sortudo. Pior foi o
que aconteceu ao cão do vizinho. Contou-me o mais novo que os pais abandonaram o
cão na autoestrada certamente para morrer atropelado. Naquele dia o pequenote
não parava de chorar agarrado ao meu pescoço. Tinha aquele cheiro agridoce que
tem o sofrimento dos humanos por isso lhe lambi a cara algumas vezes. Acho que
nunca vai perdoar ao pai ter abandonado o buldogue na autoestrada… Isto é o que
eu acho, mas os cães não têm direito de opinião.
Sigo
para a sala atrás do dono. Abano a cauda embora hoje ninguém repare em mim.
Precisava de ir à rua fazer as minhas necessidades, mas hoje está a ser um dia
mau. Se calhar ninguém me vai levar à rua e lá terei que fazer no chão. Estou
mesmo a ouvir os gritos da dona: cão porco, foste mau.
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